Depois do Fim

A editora Draco anunciou o lançamento do e-book Depois do Fim, organizado por Eric Novello e que traz meu conto Sangue Santo, ao lado das histórias de um talentoso time de escritores.

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A antologia é “irmã” da Fantasias Urbanas – do mesmo organizador e que já comentei antes por aqui – e que abordava a presença do fantástico em ambientes urbanos. Já nesta o tema pode ser resumido na pergunta “o que acontece depois do fim?”

Ficção pós-apocalíptica é um gênero que me atrai há tempos. Talvez este fascínio tenha origem por ter crescido nos anos 80 e presenciado a Guerra Fria entre EUA e URSS – o finalzinho dela, é verdade, mas não havia jeito de saber na época, não quando a mídia propagava notícias alarmistas (li numa Manchete – alguém ainda lembra dessa revista? – informando que, no caso de um ataque nuclear, o metrô da Sé serviria como abrigo para quem chegasse a tempo lá, o que não adiantava muito para quem morava no interior, como era meu caso). Isso sem contar filmes como O Dia Seguinte (que traumatizou muita gente mundo afora) ou de um episódio da segunda versão de Além da Imaginação (até hoje não esqueço a cena final).

Quando recebi o convite do Eric (por coincidência, eu jogava Fallout 3, um dos meus games favoritos e que tem um cenário pós-apocalíptico após um conflito nuclear), meu primeiro pensamento foi escrever uma história que envolvesse sobreviventes de uma guerra atômica… mas o problema é que estamos praticamente no meio da segunda década do século XXI e o zeitgeist é outro, bem como os candidatos para começar um apocalipse: aquecimento global, impacto de meteoros, supervulcões e – o queridinho do mês – uma tempestade solar que, se igual ao Evento de Carrington, vai fritar toda tecnologia da Terra.

Além disso, escrever em um cenário estrangeiro (como boa parte das histórias do gênero) não me apetecia na época. Foi então que resolvi escrever em um que conheço, no caso, o Brasil – para ser mais preciso, São Paulo.

Ou o que restou do sertão paulista após um cataclismo mundial. Um lugar reivindicado por senhores de terra, assombrado por superstição, seitas místicas e estranhas criaturas conhecidas como virabichos.

E assim nasceu Sangue Santo, um conto no qual o personagem principal tenta sobreviver ao caos do dia a dia, sem saber que o fim do mundo está próximo de novo. Foi uma história que gostei de escrever, principalmente pelo worldbuilding envolvido.

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Trecho:

Um grasnido soou acima das árvores. Um urubu planou entre as copas, as asas enormes estendidas, pronto para se fartar no banquete ali embaixo. Guel olhou para os outros cadáveres: nenhum deles levava qualquer objeto valioso como o anel do padre. Em comum, tinham as marcas da morte violenta que se aplacara sobre o grupo – talhos que rasgavam os torsos, dedos decepados e feridas nos antebraços -, sinais típicos de quem tenta se defender dos atacantes.

Atacantes como virabichos.

A mata na outra margem se mexeu: algo vinha na direção da encruzilhada.

Guel engoliu em seco. Com um pulo, se embrenhou entre os arbustos ao lado. De onde estava, conseguiu ver duas figuras grandes saírem para a estrada. Pelo tamanho, não havia dúvida de que eram virabichos. Em silêncio e sem tirar os olhos da encruzilhada, Guel retrocedeu ainda mais no bosque, afastando-se dos monstros passo a passo, o ar ao redor tão frio quanto o seu estômago tomado pelo medo de pisar em algum graveto seco e denunciar sua posição. Quando decidiu que já estava longe o bastante, ele se virou para correr.

E se deparou com um virabicho acocorado contra o tronco grosso de uma paineira.

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Além do meu conto, Depois do Fim traz os textos de autores que já tive o prazer de ler em outras vezes – caso de Cirilo S. Lemos, Eduardo Kasse, Gerson Lodi-Ribeiro e Alliah – e de outros que estou curioso em conhecer. Alliah também fez as ilustrações internas e a bela capa – que serve de contraponto à da Fantasias Urbanas – é do Erick Sama.

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Sinopse:

Um passeio pela destruição que restou da presença humana.

A fantasia e a ficção científica crescem cada vez mais no Brasil e no mundo, ganhando inúmeras adaptações para o cinema e até despertando certa devoção entre os fãs, como se os personagens fossem pessoas reais e seus destinos estivessem de fato em nossas mãos. Ao lado da literatura de terror, formam uma tríade onde tudo é possível e a única regra é ter muita imaginação. Recentemente, as distopias têm levado esse sucesso a um novo patamar, marcando presença constante com seus romances na lista de best-sellers.

Depois do Fim é um tour pelas terras inóspitas das distopias, pela aventura constante e o humor amargo de quando o que está em jogo é a nossa sobrevivência. Após levar os leitores a visitarem cidades fantásticas na coletânea Fantasias Urbanas, Eric Novello reúne oito novos autores que tinham como armas de batalha a qualidade, a criatividade e o entretenimento. Blanxe, Nazarethe Fonseca, Cirilo S. Lemos, Eduardo Kasse, Diego de Souza, Gerson Lodi-Ribeiro, Marcelo A. Galvão e Alliah, que participa também com uma narrativa visual.

Sobrevivendo a monstros no fundo do oceano e a provas de resistência em estufas mecanizadas, a ringues de boxe onde se luta pelo direito de sonhar e a castelos sitiados por invasores cruéis, escapando de conflitos entre deuses vingativos e de cangaços violentos onde a bala é a lei, correndo por campos dominados por vampiros ou por cidades melancólicas, só nos resta responder à pergunta: o que acontece depois do fim?

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